29 de julho de 2013

Privilégios e respeito.

- Por Leina Daniela Ziur (Originalmente publicado no meu blog pessoal)

Eu não curto aqueles papos de superação e mimimi e não é minha intenção fazer um desses agora, mas eu tenho certeza que vai parecer que é o caso. Na verdade, é um post para explicar porque eu bloqueio algumas pessoas, não por raiva, mas porque eu não aguento tanta negatividade. Infelizmente, às vezes nos identificamos tanto com uma situação tensa que é impossível não nos sentirmos mal, pois já compartilhamos de tais sensações e sabemos o quanto dói. Inclusive, corro o risco de parecer repetitiva ao escrever isso pois posso já ter escrito isso e com certeza já falei também. Mas foda-se, é importante.


Eu nasci com um corpo de menino. Um rosto bonito, um corpo alto, magro e, se tivesse me esforçado um pouco, musculoso. Não tenho disposição genética para calvície nem obesidade, e também não tenho vícios químicos ou hábitos que sirvam de obstáculos. Sou filha de uma espanhola legítima com um brasileiro descendente de europeus, portanto sou branca. Cresci seguindo preceitos religiosos cristãos pois fui criada como católica. Fui batizada, fiz catecismo e crisma. Nunca sobrou dinheiro em casa, mas também nunca faltou, então acho que posso me considerar uma classe média privilegiada que tinha videogame pra jogar, 3 refeições diárias e uma cama gostosa pra dormir. Tive também o privilégio de ter uma mãe em casa, então não fui criada pela escola nem pela rua. Posso dizer inclusive que tive o privilégio de ser um "menino heterossexual", visto que nunca deixei de gostar de mulher.

Resumindo: Eu tinha tudo pra ser tudo o que poderia querer. O rei dos coxinhas. Mas isso jamais me privou de conceitos negativos, pelo contrário: os evidenciaram.

Eu vivia como um cara racista, homofóbico, xenofóbico (odiava nordestinos) e minhas morais eram todas distorcidas para o lado que mais agrediam as pessoas. Odiava a tudo e a todos, simplesmente por estar no alto do meu pedestalzinho de coxinha, que me permite julgar por ser perfeito segundo nossa cultura. Claro que, por ser metaleiro, eu me dava direito de odiar e desrespeitar qualquer outro gênero musical, por que não?

Mas nada disso importa de verdade. No fundo eu sabia que não era assim. No fundo eu sofria, pois era diferente do que me ensinaram a ser e muito do que eu fui doutrinada a fazer me magoava. Fui ensinada a me manter completamente longe e acima de tudo o que eu sou por dentro, não por alguém com má intenção, muito menos por alguém que já sabia que eu era diferente e queria me reprimir: Fui ensinada a ser pelos dogmas, pelo medo e pelo preconceito. Poucos sabem, mas rezei por horas toda noite antes de dormir, dos 14 aos 20 anos, para que eu fosse lavada da "imundice" que eu sentia. E se caísse de sono antes de concluir minha rotina de orações, me punia no dia seguinte rezando mais.

A circunstância na qual eu me livrei desses fardos e pesos mortos não interessa, realmente. Esse não é um post para demonstrar minha superação e mimimi. Esse post eu escrevo pra falar dos privilégios que muitxs de nós temos e não queremos nos livrar mesmo sacrificando nossa felicidade. Ninguém quer deixar de ter a facilidade de arrumar emprego do homem branco. Ninguém quer deixar de lado a boa aceitação que o cristianismo tem na nossa sociedade - é praticamente um atestado de bom caráter!

Mas o mais importante é o privilégio do respeito que pessoas como eu adquirem logo no nascimento. Esse respeito é o privilégio mais doloroso de se abrir mão, pois o mesmo não foi adquirido, e sim herdado. Consequentemente, quando abrimos mão desse respeito herdado para corrermos atrás do que queremos, temos também que batalhar por esse respeito, que agora é íntimo e legítimo. É o mesmo respeito que nordestinos e negros lutam pra conquistar caso decidam que não vão ocupar cargos de limpeza, serviços gerais e segurança, pois pessoas brancas como eu decidem que não é natural. É o mesmo respeito que as mulheres precisam conquistar quando querem um cargo legal por capacidade intelectual, do contrário homens cis como eu era vão encará-las como objetos, donas-de-casa, biscates que só conseguiram o lugar porque dormiram com alguém.

É muito respeito para se conquistar e eu, mais do que ninguém, entendo o seu medo de perder todo esse respeito e esses privilégios todos, e entendo também o quanto é difícil recuperá-los por mérito e não por "ser". Mas vai por mim: Se você continua defendendo barbáries mesmo sabendo que tais barbáries ferem quem você é de verdade, você tem muito que rever seus privilégios e preconceitos, do contrário você vai ser uma vítima do seu status. E claro, eu vou continuar te bloqueando =)

- Por Leina Daniela Ziur

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