21 de abril de 2013

Rapaz FtM, Transição Iminente Apesar de Tudo

Hoje a história é de RT, um rapaz transexual que sobrevive e luta graças à sua força interior e ao amor de sua noiva.

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Olá, eu sou o RT, sou paulista, tenho 18 anos, estou completando o ensino médio e tenho o sonho de me realizar como um artista, e é claro: sou homem transexual. 

Sempre me senti homem, desde pequeno me sentia um garoto, e não uma garota. Minha mãe sempre me forçava a usar roupa feminina e já tive cabelos longos por muito tempo. Eu tinha minhas bonecas mas adorava quando meu irmão me chamava para brincar com arminhas e com os soldadinhos dele, e amava minha coleção de carrinhos. Minha mãe detestava o fato de eu conviver mais com meu irmão e os amigos dele (mesmo todos sendo mais de 6 anos mais velhos que eu) do que com as meninas coleguinhas minhas na escola. 
Eu cresci na corda bamba entre homem e mulher, sempre fui confuso sobre tudo o que sentia. Desde novinho me interessava por meninas e nunca me senti "lésbica" e achava super normal gostar de mulher, e claro que minha mãe notava e já cortava, né? 
Eu sou adotado, e isso sempre foi mais uma coisa que eu tinha na cabeça. Quase ninguém da minha família me tratava como se eu fosse da família, meus avós maternos me detestavam e minha vó me chamava de "preto maldito", deve ser porque ela era caucasiana e portuguesa legitima. 
Meu pai sempre foi um cara ausente por conta do trabalho, até que ele foi demitido e tudo desabou, tivemos que nos mudar, tive que sair da escola particular e tive que enfrentar o dia a dia numa escola pública... não que haja muitas diferenças entre ensino particular e público, mas quando isso ocorreu eu tinha de 7 para 8 anos e quando cheguei logo comecei a ser taxado de sapatona, sapatão e outras coisas. Porém, como nos mudamos de São Paulo capital para o litoral, eu usei o calor como desculpa para cortar o cabelo e me lembro até hoje o alívio que senti de me livrar daquele cabelo que eu tinha até o quadril. Eu sempre fui carente de pai e de mãe, pois desde cedo eu fui colocado nas escolinhas, mesmo tendo convivência um pouco mais com a minha mãe, eu não conseguia desabafar, queria aproveitar o momento que tinha com ela. 
Eu enfrentei o colégio público e passei por cima de todo o preconceito sozinho, e aos 11 anos meus pais começaram a ter uma crise e minha mãe se rebelou contra tudo e todos. Ela nunca mais foi a mesma, até hoje ela esquece que o mundo não gira em torno dela. Eu cresci por conta do que aconteceu, eu cresci porque era forçado a crescer. Minha mãe passava dias e noites na frente do computador conversando com caras estranhos, isso me deixava confuso demais, quando eu ia mexer no computador encontrava fotos de homens, encontrava pornografia... isso mexia demais com a minha cabeça. Meu pai começou a descobrir tudo o que minha mãe fazia e aí começou uma guerra que não terminou ainda. Lembro-me de uma vez, quando minha mãe tinha feito histerectomia há pouquíssimos meses, estávamos só nós três em casa e teve uma briga entre ela e meu pai, eu vi meu pai jogar ela na cama e ia bater nela, ele falou diversas coisas na cara dela e quando me viu, saiu do quarto. Eu abracei a minha mãe e, o que normalmente um pai faria com uma filha, eu fiz: minha mãe ficou no meu colo e eu cuidei dela.
Era tanta pressão da família, por parte da minha mãe e da minha madrinha que, aos 12 anos, namorei um menino da minha idade. Soava mais como amizade, não trocávamos beijos e não fazíamos nada o que um casal normalmente faria. Então, claro, que o namoro acabou poucos meses depois e, como se para provar à minha mãe que eu era tudo o que ela sempre quis numa filha, namorei outro rapaz, que era mais velho (19 anos) e é claro que o relacionamento não foi adiante, eu não aguentei mais. Então conheci minha primeira namorada numa festa de aniversário de uma amiga nossa, ela que deu em cima de mim porque, na época, eu não era conquistador... na verdade era mais um nerd por games e louco por mangás e animes. E pouco tempo depois começamos a namorar, o namoro era conturbado porque ela não me tratava direito e por muitas vezes me esquecia e saía com os amigos. 
Dos meus 13 aos 14 anos, minha mãe achava que eu era a maior sapatão do litoral e tinha caso com todas as meninas possíveis, chegou a jogar minhas roupas fora e comprar roupas femininas e me forçava a usar, não deixava eu passear com meus amigos e eu não tinha contato com o mundo exterior, só ia para escola e tinha hora marcada pra chegar em casa. Eu tinha tantos problemas comigo mesmo... todos os meus sonhos e desejos, minha mãe e os outros falavam que eu nunca ia conseguir, minha mãe só chegava perto de mim para desabafar e depois voltava para a internet e ficava a conversar com caras estranhos. Ninguém prestava atenção em mim, ninguém se aproximava realmente. Depois da minha primeira namorada, conheci outra menina que mexeu com meu coração e fiquei completamente apaixonado, e depois de muito esforço eu me abri e confessei os meus sentimentos por ela, e então ela se afastou e não conversou mais comigo, eu fiquei completamente arrasado. 
Um ano após essa decepção amorosa, eu conheci outra menina que comecei a namorar, e quando eu estava completamente apaixonado, ela me traiu com o ex namorado dela e eu só soube porque ela veio desesperada à mim dizendo que achava que estava grávida, e eu, tremendamente apaixonado, ajudei ela e amparei ela, levando-a até o hospital para fazer o exame e cheguei a dizer que, se ela estivesse grávida, eu assumiria o bebê com ela, já que o ex dela não estava nem aí para ela. Quando o exame deu negativo, meu relacionamento também começou a ficar negativo, e então ela terminou comigo para ficar com outro rapaz. Enquanto isso, minha casa estava o inferno completo, eu não tinha sossego por conta da minha mãe, que só se dirigia à mim para desabafar ou para descontar a raiva dela. Então, pro final de 2009, eu conheci uma menina que mexeu com meu coração e me deu esperanças, fiquei completamente bobo e bestificado com ela, chegando a fazer cartinhas e, no aniversário dela, fiz presentes em origami e dei caixa de bombons... então, em 2010, quando tudo estava rumo à beira do abismo em casa e eu encontrava esperanças nesta menina, ela me trocou pela melhor amiga dela, foi aí que desisti de tudo. 
Em março de 2010, a minha luz foi o nascimento do meu sobrinho, que considero filho. Uma semana após o nascimento dele, minha mãe surtou em casa e começou a gritar em alto bom som "VOCÊ NÃO É LÉSBICA, ENTENDEU?" e falou outras coisas que eram desnecessárias, todos do condomínio ouviram e até hoje ninguém lá me olha direito. Minha mãe, desde os meus 10/11 anos, não se dirigia à mim para falar coisas boas, e ela sempre exigiu tudo de mim. Eu cresci tendo que ser o melhor em tudo, minhas notas (as mais altas da classe) não eram suficientes, era sempre exigido mais e mais, então eu me sentia, a maior parte do tempo, uma merda pois eu não conseguia agradar minha mãe e parecia que ninguém gostava de mim. Então conheci outra garota, bem mais velha que eu, nos dávamos super bem e ela sempre me dava esperança de que eu podia contar com ela, e quando me declarei oficialmente minha paixão por ela, aos poucos ela foi ficando distante, até que não tive mais contato com ela. 
Desabei de novo, minha casa estava um inferno, só era mais ameno porque tínhamos um bebê pequeno, então eu me concentrava somente nele. Como eu não sabia o que eu era, eu confirmava quando me perguntavam se eu era lésbica, mesmo sentindo que não era tal coisa, e em outubro de 2010 eu conheci minha noiva num grupo do MSN de lésbicas. Foi amor à "primeira vista", conversamos por alguns dias e eu já estava de quatro por ela.
Ela foi a luz no fim do túnel, quando a conheci eu estava no fundo do poço e estava sozinho. A parte amorosa, então, estava resolvida, mas a familiar estava indo de mal a pior, meus pais brigavam mas também não se separavam de uma vez. Foi a partir dos 16 anos que comecei a surtar. Reprovei o segundo ano do ensino médio e foi aí que minha mãe agiu... agiu errado, lógico, pois como um aluno que sempre foi bem na escola de repente reprova? Ao invés disso, ela quis me matar e brigou comigo, fez da minha vida um inferno, não deixava eu conversar com ninguém nem no telefone e nem em lugar algum, fui proibido de qualquer coisa e chegou a estipular horário para eu dormir. E então, 2012 foi um dos piores anos da minha vida. Eu surtei no início do ano e quase saí de casa, minha mãe queria me dar antidepressivos, todo mundo da família deixou de falar comigo e me excluiu de vez de tudo. Eu, até hoje, escuto minha mãe falando mal de mim para os outros, e um fato que pode parecer idiota mas era importante para mim: em 2012 a bicicleta que eu comprei vendendo a bicicleta que eu amava, foi roubada. Minha mãe, ao invés de dar uma bicicleta nova pra mim, deu uma bicicleta pro meu irmão. Em datas especiais, como dia das mães, eu fui parabenizar minha mãe e ela não olhou na minha cara e rejeitou meu abraço. Enquanto eu precisava de coisas novas como roupas (pois as que eu tinha e tenho até hoje estão começando a rasgar), ela dava celulares caríssimos para os outros. Ela me pegava chorando e ignorava, já peguei ela falando que queria que eu me fodesse, enfim...

No segundo semestre de 2012 eu comecei a pesquisar na internet tudo o que sentia, porque eu sabia que tudo o que sentia não era por causa da minha mãe e nem das minhas decepções, então me deparei com a transexualidade e um amigo meu, homem trans, super legal e super especial para mim, me aconselhou e me aconselha até hoje, ele clareou minha mente e me ajudou a entender o que eu sentia, então eu me abri com a minha noiva e ela entendeu e logo começou a me tratar no masculino, e essa foi a maior prova de amor que ela poderia me dar. No final de 2012, eu comecei a me fazer de idiota e voltei a conversar com todo mundo, fingido ter esquecido TUDO o que minha mãe havia me feito o ano todo e me feito a vida inteira. 
Até hoje, quando minha mãe reclama da vida que leva, deixa bem claro que se não tivesse filhos tudo estaria melhor. Moro com meus pais até hoje porque eu não tenho condições de sair, eu não tenho emprego e nem dinheiro, não comecei a transição por não ter liberdade para isso. No começo deste ano, ouvi minha mãe dizendo que ela não considera os filhos dela como família dela, e que ela odeia todos. Isso dói em qualquer filho, principalmente quando se é adotado. Convivo com a ideia de que minha mãe me odeia e que, provavelmente, me adotar não foi uma boa escolha. E contando que ela sempre quis uma menina, e após dar a luz à dois meninos, me adotou... novamente estou decepcionando ela, pois sou homem. Minha família ainda não sabe de minhas condições, mas já estou me preparando para contar (e me preparando para os ataques).
Minha noiva me ajuda em todos os sentidos: compra roupas quando pode, tenta preencher o vazio que sinto por parte da família, e mesmo agora, que estou muito mal e surtando quase todos os dias, ela me levanta e se não fosse por ela, provavelmente eu já teria me suicidado. Ela consegue preencher tudo, ela me dá forças para acordar todos os dias e continuar em frente. 
Estou terminando o ensino médio, e mesmo contra a vontade da família, logo logo morarei com a mulher que amo e irei seguir carreira de artista e vou lutar pela minha felicidade. A minha história, aos olhos de outros, acho que não parece tão impactante e nem com muitas coisas importantes... mas, para mim, é imensamente importante e que tudo o que aconteceu na minha vida me fez ser o grande homem que sou hoje, pois sei que tenho um coração enorme e sei que sou um homem bom. E eu sei que eu sou o homem que sou hoje graças à mim e à minha noiva. 
E o conselho que posso dar à todos os jovens, independente de raça, credo, identidade de gênero e orientação sexual, é: lute com unhas e dentes, agarre-se em seus sonhos e não desista jamais. Pessoas vão fazer você desistir, pessoas vão te machucar e podem te decepcionar... mas a pior decepção é quando VOCÊ desiste de você mesmo. Seja forte, o mundo é todo seu, tenha fé e tenha esperança, e saiba que sempre terá alguém, nem que seja somente uma pessoa, que estará pronto para te ajudar.

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